quarta-feira, 14 de agosto de 2013

viver sem permissão

Ser vadia é cansativo. O papo nunca muda. Homens escolhem "esposas" ou namoradas como se se casar com eles fosse um prêmio da loteria. Quase uma seleção do Cespe. Eles são a grande recompensa que a mulher recebe por se encaixar em todos os itens de uma check list bizarra: não beba, não fume, não use saia curta, não dê para qualquer um, seja limpinha, alise o cabelo, não seja gorda. A primeira vez em que tive vontade de me casar foi quando me pediram em casamento. Antes disso, não tinha qualquer ideia sobre bolo, festa, vestido de noiva e, ainda hoje, nem penso em filhos.

Portanto, o argumento "ninguém vai te levar a sério" nunca me comoveu. Há mais para se fazer da vida do que ser levado a sério. Tinha muitos sonhos e uma casa cheia de crianças, com um cara sentado no sofá esperando por comida (minha ideia adolescente sobre o casamento) não figurava em nenhum deles. Ainda bem. Sexo não me parecia algo sobrenatural, mesmo antes de fazer. Sempre pensei em uma transa como algo divertido, que devia fazer quando tivesse vontade. Fim.

Ideia por ideia, palavra por palavra, construi fama de "vadia", "puta" e "piranha", na escola, antes mesmo do ensino médio. Não era a má fama que me incomodava. Eu me achava rebelde, excitante e tudo era tão divertido. Eram as outras meninas da minha idade, em sua maioria todas dispostas a defender a castidade e o bom comportamento (mas só para as mulheres viu?), como se fossem beatas, que me tiravam do sério. Era normal o menino ficar com "qualquer uma", ele é homem e é isso que eles fazem, é assim que eles são.

Algumas me odiavam, outras pediam conselhos. Aos 14 anos, inventaram um boato na escola sobre mim. Disseram que eu tinha abortado. Eu era virgem. Mas nenhuma das garotas da escola suportava minhas opiniões pra frentex sobre primeira vez ou sobre "ficar" com "qualquer um". Para mim, ter vontade justificava tudo. Simples assim.

Precisei mudar de colégio, recebi ameaças nos corredores da escola católica onde éramos alunas. Meninas esbarravam em mim no corredor e ameaçavam me bater na saída. Tudo por conta de um aborto imaginário. Me senti fraca fugindo daquela maneira. Cheguei a pensar que eu era covarde, quando na verdade era vítima do machismo que fazia aquelas meninas, tão novas, com tanto para pensar, sentirem ódio de mim a ponto de querer me ver longe. E eu fui. Levei comigo a história do aborto, que até hoje algum imbecil ainda deve achar que era verdade (e se fosse?).

Todos os colégios "bons" da minha cidade eram católicos, assim como a minha família. Fui parar em outro centro de ensino administrado por freiras e padres. A diversão da galera era inventar histórias que envolvessem as meninas e sua sexualidade. Diziam que fulana transava no banheiro do ginásio todo dia, que era uma grande puta. Outra já tinha abortado três vezes, imaginárias, é claro. Era fácil identificar os alvos: as do short mais curto, que riam mais alto e agiam naturalmente.

A segunda vez que me senti massacrada pelo machismo foi pouco depois disso. Eu tinha 16 anos e um garoto com quem eu ficava achou que eu tinha "dado mole" para um amigo dele. Enquanto eu escrevia no meu querido diário e ouvia músicas românticas pensando no "peguete", ele criou um site especialmente para mim. Chamou a página de Nani vaca. Nani era meu apelido tosco.

Colocou uma foto minha bem grande, toda sorridente, meu número de telefone e uma estampa de vaca no fundo. Escreveu em letras grandes: PROSTITUTA. Não vou dizer que foi legal ver aquilo. Em dois minutos, todas as minhas amigas já tinham me ligado, um amigo queria bater no cara e eu só chorava. Com muita delicadeza, meu amigo convenceu o babaca a tirar o site do ar. Alguns dias depois, esqueceram a história e eu esqueci que gostava dele.

Já estava no ensino médio, em outra escola, quando alguns garotos do novo colégio, por alguma razão que desconheço e pouco me importa, resolveram ressuscitar o tal site. Só doeu quando meu pai precisou ir à escola, conversar com o diretor, porque ficou preocupado da violência gratuita passar do virtual para o real. Meu pai é exemplar. Em nenhum momento me condenou ou censurou, pelo contrário. Meu pai sabe o que é certo e o que é errado e só por isso soube me ensinar a ser autêntica. Sinto que o pai dos garotos (as) da escola não puderam fazer o mesmo por seus filhos.

Nada disso afetava o interesse de garotos legais por mim. Eles ignoravam as besteiras que circulavam nos corredores. Um desses namorados disse o que achava mais bonito em mim. Não falou sobre meu corpo, sobre meus poemas. Falou de mim. "O jeito que você fala sobre tudo que gosta é o que eu mais amo em você. Você tem muita paixão por muita coisa. O jeito que você fala faz eu me sentir bem". Eu falava sobre meus amigos, minha família, sobre escrever e a respeito do futuro: o tempo em que eu seria uma grande escritora e viajaria o mundo todo. Era a opinião desse tipo de cara que me interessava.

Foi um desses que me fez pensar em casamento. Nosso primeiro beijo foi no nada romântico banheiro do bar. Ele sabia de toda a minha vida e por isso gostava de mim. Apesar da aposta entre minhas amigas, que tinham me escolhido como "a que vai ser a última a casar", fui a primeira. A que não negocia a própria liberdade, a que sai sozinha, bebe e dança. Aquela que não liga nenhuma vez para saber onde o namorado está. A que não sabe se vai durar para sempre, mas tem certeza que não vai morrer se terminar. A que transa no primeiro encontro, mas só se quiser. Ainda não escrevi livros nem viajei loucamente. Ainda não peço permissão para viver.

ps: os meninos da escola estão casados com mulheres que fingem orgasmo e dão por "obrigação".

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