A
Câmara Legislativa tem o seu próprio Marco Feliciano! "Vice Presidente
da Frente Parlamentar, Evandro Garla, levanta Exercito Evangélico contra
Decreto do Governador". A notícia é sobre a revogação do decreto que
previa punições a órgãos públicos locais e estabelecimentos comerciais
que cometessem atos homofóbicos. O decreto, entre outras coisas, puniria
com mais rigor o empresário que: expulsasse
clientes do seu restaurante por homofobia ou um servidor público em
serviço (aquele que é pago com dinheiro meu e seu, de hétero e de gay)
que cometesse violência física ou psicológica contra alguém, baseado na
sexualidade. Demorou 13 anos para ser publicado e menos de 24 horas para
ser jogado no lixo.
O decreto não proibia ninguém de pensar o
que quisesse, nem mesmo de ser homofóbico dentro da igreja, em casa, na
escola, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. "Onde é
que já se viu o dono da pizzaria não poder chamar de bichinha seus
clientes? Ele pode escolher quem senta à mesa do seu restaurante. Devia
até colocar uma placa tipo as de proibido estacionar, com dois homens se
beijando e um x em cima. Esse mundo ta muito politicamente correto
mesmo. Daqui uns dias vão me proibir de ser hétero", alguns disseram,
muito preocupados com o futuro da família tradicional. Aquela formada
por um homem e uma mulher (fiéis um ao outro sempre!), abençoada e
perfeita, criadora de lindas crianças honestas, saudáveis, felizes e, é
claro, hétero. Dessas famílias não saem ladrões, traficantes, "vadias",
golpistas e corruptos. Esses foram criados por pais gays ou sem
religião, é claro. Nossa sociedade perfeita está ameaçada pela mudança
dessa estrutura linda de homem/mulher, que nos garante andar tranquilos
pelas ruas, sem temer que algum filho de gay sem Deus no coração roube a
nossa carteira ou nos dê um tiro no meio da cara. É muito chato não
poder chamar ninguém de bicha e nem poder gastigá-lo aos murros por amar
quem eu não autorizei.
Homofóbicos: vocês estão livres para
amaldiçoar, mandar para o inferno e condenar à perdição quem vocês bem
entenderem! Nenhuma lei vai regular quem entra ou não pelas portas do
céu ou do inferno. Vocês não terão que dividir o paraíso com quem faz
sexo antes de casar, com quem se separa do marido, muito menos com quem
se deitou homem com homem ou mulher com mulher. Podem respirar
aliviados. O céu é de vocês e ninguém tasca. A lei desejava apenas
orientar uma classe "x" a pensar duas vezes antes de humilhar um cidadão
comum. É triste precisar desse tipo de lei, mas a sociedade precisa,
com urgência, frear essa violência (palavra também é arma). A bancada
evangélica pressionou, dizem por aí, e o governador teria voltado atrás
para satisfazê-la. Chamaram a lei de "lei da mordaça" e espernearam.
Esse exército luta pelo direito de desumanizar, pela liberdade de
ofender, perturbar e excluir, em nome de Deus. É uma causa muito bonita e
justa para ser adotada por um parlamentar (que também recebe dinheiro
de gay e de hétero, sem perguntar da onde veio). Melhor que lutar por
educação de qualidade ou saúde pública digna.
Imagino a luta
dos racistas para impedir que esse tipo de discriminação virasse crime.
Devem ter achado um grande absurdo serem obrigados a engolir o que
pensavam sobre os negros. Devem até ter desenvolvido um câncer por não
poder se expressar. Usaram a Bíblia como advogada, previram a destruição
das famílias inter-raciais e tudo mais. Ousaria dizer que eles
(racistas) superaram o trauma de não poder dizer o que pensavam, em nome
do bem estar de outros seres humanos. Fazer do racismo um crime não
transformou nenhum racista em pessoa de bem. Mas certamente impediu
muitas ofensas e agressões gratuitas. Uma canetada não é capaz de mudar o
coração das pessoas, de fazê-las mais tolerantes com as formas de amor,
mas ajudaria a segurar a boca de quem fala, mesmo quando não lhe cabe
meter a colher.
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