terça-feira, 14 de maio de 2013

Pelo direito de ofender

A Câmara Legislativa tem o seu próprio Marco Feliciano! "Vice Presidente da Frente Parlamentar, Evandro Garla, levanta Exercito Evangélico contra Decreto do Governador". A notícia é sobre a revogação do decreto que previa punições a órgãos públicos locais e estabelecimentos comerciais que cometessem atos homofóbicos. O decreto, entre outras coisas, puniria com mais rigor o empresário que: expulsasse clientes do seu restaurante por homofobia ou um servidor público em serviço (aquele que é pago com dinheiro meu e seu, de hétero e de gay) que cometesse violência física ou psicológica contra alguém, baseado na sexualidade. Demorou 13 anos para ser publicado e menos de 24 horas para ser jogado no lixo.

O decreto não proibia ninguém de pensar o que quisesse, nem mesmo de ser homofóbico dentro da igreja, em casa, na escola, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. "Onde é que já se viu o dono da pizzaria não poder chamar de bichinha seus clientes? Ele pode escolher quem senta à mesa do seu restaurante. Devia até colocar uma placa tipo as de proibido estacionar, com dois homens se beijando e um x em cima. Esse mundo ta muito politicamente correto mesmo. Daqui uns dias vão me proibir de ser hétero", alguns disseram, muito preocupados com o futuro da família tradicional. Aquela formada por um homem e uma mulher (fiéis um ao outro sempre!), abençoada e perfeita, criadora de lindas crianças honestas, saudáveis, felizes e, é claro, hétero. Dessas famílias não saem ladrões, traficantes, "vadias", golpistas e corruptos. Esses foram criados por pais gays ou sem religião, é claro. Nossa sociedade perfeita está ameaçada pela mudança dessa estrutura linda de homem/mulher, que nos garante andar tranquilos pelas ruas, sem temer que algum filho de gay sem Deus no coração roube a nossa carteira ou nos dê um tiro no meio da cara. É muito chato não poder chamar ninguém de bicha e nem poder gastigá-lo aos murros por amar quem eu não autorizei.

Homofóbicos: vocês estão livres para amaldiçoar, mandar para o inferno e condenar à perdição quem vocês bem entenderem! Nenhuma lei vai regular quem entra ou não pelas portas do céu ou do inferno. Vocês não terão que dividir o paraíso com quem faz sexo antes de casar, com quem se separa do marido, muito menos com quem se deitou homem com homem ou mulher com mulher. Podem respirar aliviados. O céu é de vocês e ninguém tasca. A lei desejava apenas orientar uma classe "x" a pensar duas vezes antes de humilhar um cidadão comum. É triste precisar desse tipo de lei, mas a sociedade precisa, com urgência, frear essa violência (palavra também é arma). A bancada evangélica pressionou, dizem por aí, e o governador teria voltado atrás para satisfazê-la. Chamaram a lei de "lei da mordaça" e espernearam. Esse exército luta pelo direito de desumanizar, pela liberdade de ofender, perturbar e excluir, em nome de Deus. É uma causa muito bonita e justa para ser adotada por um parlamentar (que também recebe dinheiro de gay e de hétero, sem perguntar da onde veio). Melhor que lutar por educação de qualidade ou saúde pública digna.

Imagino a luta dos racistas para impedir que esse tipo de discriminação virasse crime. Devem ter achado um grande absurdo serem obrigados a engolir o que pensavam sobre os negros. Devem até ter desenvolvido um câncer por não poder se expressar. Usaram a Bíblia como advogada, previram a destruição das famílias inter-raciais e tudo mais. Ousaria dizer que eles (racistas) superaram o trauma de não poder dizer o que pensavam, em nome do bem estar de outros seres humanos. Fazer do racismo um crime não transformou nenhum racista em pessoa de bem. Mas certamente impediu muitas ofensas e agressões gratuitas. Uma canetada não é capaz de mudar o coração das pessoas, de fazê-las mais tolerantes com as formas de amor, mas ajudaria a segurar a boca de quem fala, mesmo quando não lhe cabe meter a colher.

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