quinta-feira, 9 de maio de 2013

Leo

Hoje, seus pés ficam para fora do sofá, sobram quando você apoia a cabeça no meu colo e pede para que eu passe as pontas dos dedos sobre o seu rosto, bem devagar, quase sem encostar, desenhando linhas imaginárias por cima dos seus traços, tão parecidos com os meus. Era o que eu costumava fazer, quando você ainda nem sabia falar e se recusava a dormir. Você chorava e todo mundo achava que era cólica, fome ou qualquer necessidade urgente. A emergência era o carinho, um mimo suave, que te tranquilizava e logo fazia adormecer. Você sempre gostou do meu colo. Queria me morder só para coçar a gengiva, babava em mim e ria, ria muito, e eu correspondia, porque me sentia como um parque de diversão. E eu comecei a amar você, sem ter ideia de que tinha descoberto o que faz a vida valer a pena.

Mal sabia como eram feitos os bebês quando você chegou à casa, no colo da nossa mãe. Passava horas te estudando com os olhos, como quem deseja se apresentar. "Oi, eu sou sua irmã mais velha e vou cuidar de você". Você era pequeno, mas já ocupava um espaço enorme em mim. Observava as dobras da sua mão, a fragilidade das suas unhas e as formas do seu pé gorducho. Sem ninguém pedir, aprendi a fazer massagem, esquentar a mamadeira no ponto certo, cantar para te entreter e nunca mais fui sozinha, desde o 7 de maio em que você nasceu. Nunca mais pensei só em mim. Era impossível experimentar um doce novo sem imaginar: "O Leo vai gostar."

E por falar em doce, nunca se esqueça: fui eu quem te apresentou o chocolate. Se existe um crédito que eu gostaria de ter no filme da sua vida, caso você vire um rock star ou algum outro tipo de cara bem famoso, seria esse. Você já estava crescido e pronto para a experiência. Me esperava acordado, até tarde da noite, encolhidinho na cama para ninguém perceber, para ganhar bombom caseiro, que uma moça vendia lá na porta do Ceub. Às vezes, eu deixava você comer à noite mesmo. Desde cedo, a gente tinha segredos. E eu tenho medo que algum dia você encontre uma amiga melhor do que eu. Mas vou superar.

Eu fiquei adolescente e você um rapaz pequeno, esperto além da conta. Chorava quando me via pronta para sair. Muitas vezes, deitei na cama e fiz você dormir antes de abrir a porta e deixar um pouco do meu coração para trás. Rejeitei convites só para passar a tarde com você. Para a gente dançar juntinho, com seus pés em cima dos meus e seus braços agarrados à minha cintura, no meio da sala de casa, que crescia aos nossos olhos e virava um baile inteiro. Você cresceu e agora tem vergonha de dançar. Eu também tinha, na sua idade, e logo vai passar. Agora, é você quem quer sair, namorar, fazer amigos e ser aceito.

Tem muita coisa que eu queria te ensinar. O problema é que ainda sei pouco. Se pudesse, daria o mundo explicado com anotações de roda pé e cheio de atalhos para você fugir do erro, da dor. Mas não teria a menor graça e no final você não seria o cara legal que tenho certeza que você será. Não porque o amor me cegue, meu coração é crítico. Irremediável, tende a notar os defeitos de quem vive nele. Enxergar as falhas também é um jeito de educar. Quando pensar em mim, você pode até me achar dura, rígida e mandona. E eu sou (ou fui). Mas a vida é agridoce e a gente precisa acompanhar.

Algumas poucas coisas eu posso te garantir. O mundo não tem pena das nossas fraquezas, para ele a culpa é sempre da gente e tudo tem consequência. Saber isso é bom porque evita lamentação. Vai demorar para você perceber, mas qualquer coisa pode acontecer com você: ser assaltado na rua, ser enganado pelos "amigos", ficar viciado, mesmo querendo "só experimentar", pegar uma doença, porque não usou camisinha ou ter um filho antes da hora, simplesmente porque é um tanto inconsequente, como todo jovem. Bem vindo ao mundo dos quase adultos e tente não estragar tudo.

Ainda que o mundo seja um lugar bem esquisito, não perca seu tempo sendo negativo, reclamando das pessoas ao seu redor e de como elas não ligam para você. Todo mundo está ocupado consigo mesmo. Supere. Encontre um jeito de ajudar, sempre que puder. Seja útil, pois não há nada mais triste do que uma existência desperdiçada. Você não é e nem nunca será melhor do que ninguém. Respeite as diferenças entre as pessoas, ame quem você quiser, sem medo, vista o que escolher e, por favor, não tente ser "todo mundo". Você é maior do que esse tipo de atitude. Percebo pelo entusiasmo do seu olhar diante de algo novo. Não perca esse talento que tem de se encantar.

Não mate seus sonhos. Siga uma profissão que te dê prazer e que não faça de você um cara que lamenta todas as segundas-feiras. Uns dias serão piores, sinta tudo que tiver pra sentir. Vai ser difícil, mas não aceite o manual de instruções da sociedade. Não, você não precisa passar em um concurso público (até você ficar adulto, isso vai ser fora de moda, eu espero). Você pode ser artista, pintor, músico, engenheiro, médico, surfista e até treinador de Pokemon, como me confidenciou certa vez que adoraria ser. Ser você é a coisa mais linda do mundo. Não jogue isso fora, nem troque por dinheiro e estabilidade. Dinheiro é bom. Foi ele quem nos levou ao show do Paul, que você chamou de "a melhor coisa eu já fiz na minha vida". Nenhum centavo disso, porém, veio de frustração e comodismo. Trabalho e paixão fazem uma dupla fantástica. Pode apostar.

Nossa mãe não vai gostar desse papo, mas vai uma dica: não espere muita coisa do universo, das forças sobrenaturais ou da religião. Faça você mesmo, tenha nobreza de espírito para entender que suas decisões cabem a você e só. Deus (e fique livre pra construí-lo e para falar com ele à sua maneira e somente se você quiser) gosta de todo mundo e não é esse cara preconceituoso que tentam pintar. Ele também não vai fazer mais por você do que você mesmo. Nada de bom vai acontecer se você não se esforçar (até quando a gente faz de tudo a coisa pode dar errado, mas não esquenta não, sempre passa).

Leia por prazer. Leia porque isso te faz mais inteligente, mais sensível, mais bonito e mais parte do mundo que te cerca. O mundo, aliás, é bem grande. Viaje sempre que puder. Mesmo sem grana ou sem destino: vá. Não se prenda a um pedaço se você pode ter o todo. Quando você encontrar alguém para dividir essas aventuras, por favor, trate essa pessoa como você gostaria de ser tratado. Ninguém perde nada por ser leal e honesto, embora exista tanta gente cruel com o sentimento dos outros. Talvez eu pareça uma boba com tudo isso. Quem sabe, no futuro, quando você reler esse bla bla bla, as pessoas já tenham deixado de achar que ser bom é brega.

Eu poderia simplesmente dizer "feliz aniversário". Mas quis ir mais longe. Você completa mais um ano, eu fico um pouco mais sensível e orgulhosa de te ver crescer. Algumas coisas que eu digo você só vai entender lá na frente. A gente nunca sabe até onde vai estar junto. Na minha idade, a gente começa a ver que as pessoas não duram para sempre. Os pais dos outros começam a morrer, até os jovens, de uma hora para outra, somem sem deixar recado. Morte nunca foi assunto permitido na nossa casa. Mas ela não é má nem exclusiva. Por favor, aprenda a lidar com ela o quanto antes, sem tanta neura.

O tempo não precisa de mim ou de você para seguir. Lá na frente, nós não existiremos como hoje e tudo vai continuar bem. Nossa casa talvez seja de outras pessoas, a escola por onde você passou talvez mude de nome e essas palavras, quem sabe, serão lidas por alguém que hoje ainda nem existe. Leo, tudo que sobrevive é amor. Outras irmãs farão carinho na ponta do nariz, outros meninos pedirão colo no escuro, em um quarto de dormir. Somos todos eles.

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