domingo, 20 de junho de 2010

Poesia em meio à saudade

A vida de Pedro Gonçalves da Costa, 16 anos, terminou em uma manhã de sábado, deixada sobre o asfalto quente da W3 Sul, em 6 de junho de 2009. Eram por volta de 7h15 quando um carro prata, em alta velocidade e conduzido por um motorista que dirigia sob efeito de álcool, de acordo com a polícia, atropelou o destino do adolescente. Ali ficaram espalhados livros, tênis e sonhos do adolescente. Hoje, Pedro faria 18 anos. Do encontro indesejado, sobraram para a família tristeza, vazio e sensação de impotência. Mas também poesia.

Ninguém sabia, mas naquele momento morria um poeta. Fã de Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade, Pedro era tímido. Preferia escrever a falar. Meses depois da perda, o pai dele, o funcionário público Franklin Corrêa da Costa, 50 anos, encontrou entre bermudas e cadernos os poemas escritos pelo menino. Eram centenas de versos inspirados nas meninas da escola, nas coisas simples da vida. Simples, porém tocantes.

O pai, emocionado, procurou mais textos do filho no computador. Encontrou uma pasta com arquivos, mas ela estava trancada com senha. Franklin tinha sede de ler mais daquilo. Era uma forma de mergulhar no universo particular de Pedro, conversar, mesmo que sem palavras, e acalmar o coração com um pouco mais da presença do filho perdido. Vasculhou até encontrar em um pedaço de papel velho a senha que daria acesso àquele mundo. Ali, Franklin descobriu outra centena de poemas.

Pedro preparava uma poesia para dar de presente de aniversário à irmã Natália, que completou 15 anos dias depois do acidente. Pedro escreveu: “Onde o encanto se fez vulto, onde o culto se fez prece, onde a presença se fez dança, onde a semente se fez flor, você surgiu, Natália, menina dália. Onde a noite se fez astro, onde a açoite se fez afago, onde o amargo se fez doce, onde a poesia extasiou-se, você surgiu, Natália, menina dália”. Franklin chorou diante do computador.

“Ele sempre me mostrava alguma coisa que escrevia e eu achava muito bom, incentivava. Mas não imaginava que ele fazia poesia com tanta frequência”, disse. O pai encontrou também roteiros de teatro, crônicas e até um romance que não pôde ser terminado.

Homenagem
A vontade de dividir os pensamentos de Pedro com outros jovens e com quem mais se interessasse por poesia da maior sinceridade nasceu. Franklin decidiu reunir todos os versos em livro.

Hoje (18/6/2010) o pai homenageia o filho com o lançamento da publicação intitulada Uma estrela solidária brilha no céu para sempre!, às 20h, no Centro de Ensino Fundamental Polivalente, na 912 Sul. “Não pudemos fazer no Setor Oeste, onde o Pedro estudava o 3º ano, porque lá tem aula à noite. Mas ele também estudou no Polivalente e tem muitos amigos lá. Ele estaria muito feliz, com certeza, se pudesse ver isso tudo”, afirmou o pai. “Queremos usar o exemplo do Pedro para conscientizar outros jovens. Inclusive sobre a paz no trânsito. Eles podem se divertir como o Pedro fazia, sem beber e dirigir”, disse Franklin.

A capa do livro estampa a essência de Pedro, um menino que gostava de shows de rock, de namorar em pracinhas, sempre chegava em casa antes da meia-noite e já trabalhava. “Ele estudava de manhã e estagiava em um shopping à tarde. Ganhava R$ 200 e, mesmo assim, ajudava em casa”, lembrou Franklin.


O sorriso iluminado parece conter um mundo de sentimentos. Traduz o que o adolescente tinha de melhor, segundo o pai: a solidariedade. “Desde pequeno, o Pedro se importava muito com os outros. Dividia o lanche e os brinquedos com os coleguinhas na escola. Sempre se mostrou disposto a ajudar. Por isso, escolhemos esse título. Além disso, ele era torcedor do Botafogo e eu quis fazer um brincadeira com o símbolo do time, a estrela solitária”, explicou o pai.

Como poucos em sua faixa etária, Pedro se interessava (e sabia) por traduzir os próprios sentimentos em forma de versos. As palavras escolhidas por ele e o ritmo de cada linha revelam um jovem de alma musical, tão bonita quanto os olhos esverdeados e o riso largo que exibia com tanta frequência. Os poemas falam de amor, vestibular e de truco. Tudo com a mesma paixão. “O Pedro era assim, não fazia nada sem paixão”, lembrou o pai, com os olhos transbordando em lágrimas.

Seguir em frente
Pedro não encontrou solidariedade na manhã em que morreu — o motorista que o atropelou fugiu sem prestar socorro, segundo informou a polícia. Mas depois do acidente, Franklin recebeu apoio de amigos e até de desconhecidos. A família não conseguiu patrocínio para rodar o livro e teve de fazer muita economia para conseguir concretizar o projeto. Franklin, porém, contou com a ajuda da Subsecretaria de Proteção às Vítimas de Violência (Pró-vítima), e conheceu pessoas que se sensibilizaram com a história de Pedro e ajudaram a fazer o projeto gráfico e a edição do livro.

O pai selecionou 48 poesias entre as 250 que encontrou e dividiu os textos em 72 páginas, intercalados com depoimentos de amigos, familiares e professores de Pedro, também conhecido como Pedroca. O pai corrigiu a gramática em algumas partes, mas se impressionou com a qualidade textual, o bom humor e a criatividade do menino. “Ainda tenho material para uns quatro ou cinco livros. E quero rodar mais exemplares do primeiro, para isso só falta patrocínio”, afirmou.

Franklin ainda se lembra com o olhar distante e o coração partido de quando entrava em casa e Pedro estava no computador, sempre escrevendo alguma coisa. “Achava que era assunto de escola”, lembra. O pai nunca pensou, antes daquela manhã de sábado, que entraria em casa e encontraria a cadeira vazia.

Ali, em um apartamento pequeno no Núcleo Bandeirante, Pedro tentava entender a vida. Queria viajar para conhecer o mundo todo, se formar, ser engenheiro florestal, bombeiro. Tudo ao mesmo tempo, com fome de viver. Partiu cedo. Deixou a mensagem de que a vida pode sim ser efêmera, mas as boas lembranças e o aprendizado não.

2 comentários:

Paula Barros disse...

Leilane, estava lendo a matéria sobre Maria dos Anjos no CB, gostei da sua forma de escrever.

Já havia gostado em outras matérias, e colocando o seu nome no google achei seu blog.

Gostei realmente da sua forma de escrever, e seu relato saindo do CB no final do estágio me emocionou. Bom saber que agora estás lá, fazendo o que gostas, com o pé na rua, ouvindo histórias de vida.

Sucesso!

Unknown disse...

Leilane,
Que bela história do Pedro e de seu pai! Dramática e poética ao mesmo tempo, coisas que só a vida nos proporciona.
Por mais que a gente se "prepara" p/ evitar surpresas como essa morte súbita não há como evitar coisas do destino.
Abraços. Emilio